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15 de out. de 2009

Mais um novo livro de Andrew Collins - Parte 2



(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)

Na parte 1 você leu que Albiero, a segunda estrela mais brilhante da constelação do Cisne, caiu sobre Gebel Gibli quando Hale sobrepôs a constelação ao platô de Gizé. Mas qual seria a importância dessa sobreposição se comparada às sobreposições das outras estrelas sobre os ápices das pirâmides? Muito importante e vou tentar explicar o porquê.

Gebel Gibli é o nome de uma colina localizada a sudeste do platô, não muito longe da Esfinge. Algumas vezes seu nome também é grafado Gebel Ghibli. Ela tem, também, dois outros nomes em árabe: um é "al-Hadbah", que significa "lugar alto", um nome com conotações religiosas, e o outro é "Tarfaya", uma antiga palavra para "primeiro lugar" ou "lugar de começos", numa alusão a seu papel como um monte primordial em torno do qual tudo tomou forma.




A Esfinge e a colina Gebel Gibli, ao fundo. Note-se a "Estela do Sonho" sobressaindo dentre as patas do monumento.

(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)

Esculpidas nas paredes do templo de Edfu, no sul do Egito, estão referências a uma ilha que seria um monte original da criação chamado Nun, o qual emergiu de um oceano primordial no início dos tempos. O que torna os textos Edfu únicos dentre os textos dos mitos de criação de outros centros de culto no Egito é que os textos de Edfu fazem alusão à existência, no interior dessa ilha, de um reino subterrâneo conhecido como o "duat n ba", o Submundo da Alma ou Mundo do Além.

Esse domínio sagrado era alcançado através de uma construção chamada "bw-hmn", o "lugar do Poço", dentro do qual havia um objeto chamado "bnnt", que significa embrião ou semente, também chamado de "O Grande Lotus" ou "Trono". Do "bnnt" emanava um esplendor ou efluxo divino com efeito criador no mundo exterior, isto é, com poder de criar o mundo físico ao seu redor. Durante uma época conhecida como "zep tepi", o Primeiro Momento, seres míticos chamados "wrw n wrw", um termo que significa "Os mais velhos dentre os mais velhos" ou, mais comumente, "Os Primordiais", aqui se reuniam para executar ritos mágicos usando objetos poderosos chamados "iht", em conjunção com o objeto "bnnt", já citado. A expressão "iht" significava uma pedra ou um cristal à semelhança das pedras "lingam" sagradas da tradição hindu que simbolizam crescimento ou nova vida. Os Primordiais teriam criado um domínio sagrado à beira de um lago onde erigiram o primeiro templo em honra de seu líder chamado Falcão, uma espécie de homem-ave, provavelmente um poderoso xamã disfarçado de pássaro.


Interior do templo de Edfu, na atual Luxor


A egiptóloga inglesa Eve A.E. Reymond escreveu em 1969 que o mundo mítico descrito nos textos de Edfu deve realmente ter existido em eras ancestrais. Ela viu nos textos sagrados claros indícios de que esse domínio estava localizado perto da antiga cidade real de Memphis, no Baixo Egito. É a Necrópole, ou a cidade dos mortos, que se estende desde Saqqara, ao sul, até Gizé, no norte do país.

Será que esse monte primordial, ou a ilha dos textos de Edfu, poderia ser encontrado nos arredores de Gizé, onde um dia fluiu um antigo braço do Nilo? Se assim for, o que aconteceu a esse lugar e como se situava em relação à Grande Pirâmide e seus vizinhos no platô atual? Será que o Submundo da Alma realmente existiu na forma de um reino subterrâneo? Se assim foi, poderia sua entrada, o chamado Lugar do Poço, ser ainda hoje localizada?


A Estela dos Sonhos, de Tutmósis IV, entre as patas da Esfinge

Uma pista sobre o papel do Gebel Ghibli em Gizé é a Estela do Sonho, uma laje de pedra com inscrições situada entre as patas da Esfinge. Foi erigida ali pelo faraó Tutmósis IV, para comemorar o papel desempenhado por "Harmachis" ("Hor-em-akhet", Hórus no horizonte) em sua ascensão ao trono. "Harmachis" é um antigo nome da Esfingé de Gizé. A estela refere-se a Esfinge estar situada "ao lado do Sokar em Rostau", sendo Rostau um nome arcáico para Gizé. Significativamente, Rostau quer dizer a "boca das passagens". Mas o que ou quem é Sokar?


O Sokar do Rostau
(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)

Sokar foi um dos mais antigos deuses do Egito antigo. Ele presidia a morte e a ressurreição, assim como a escuridão do túmulo em que o morto repousava. Sokar era geralmente representado como uma deidade com cabeça de falcão, tanto sentado em um trono como enfaixado como uma múmia. Ele era o guardião da necrópole que servia à antiga cidade de Memphis e, em particular, à zona de Rostau, a Gizé antiga onde outrora se encontrava um santuário de Sokar, conhecido como Shetayet. Embora a localização desse santuário nunca tenha sido determinada, alguns egiptólogos acreditam que estava localizado nas proximidades de Gebel Ghibli, em cujo sopé se encontra o poço "Beer es-Samman". Sokar foi identificado com o líder mítico dos textos Edfu, conhecido como O Falcão, cujos precursores, Os Primordiais, foram responsáveis pela construção de primeiro templo do Egito, às margens do lago que continha a ilha sagrada de criação.


O maior rival de Sokar, até mesmo à época da construção das pirâmides, era Osíris, o deus da morte e da ressurreição. Seu culto absorveu os atributos e locais de culto do deus falcão, até Sokar acabar tornando-se apenas Sokar-Osíris ou, até mesmo, Ptah-Sokar-Osíris. Ptah era o deus criador de Memphis, cujo culto também absorveu o de Sokar. Apesar de Osíris muito provavelmente ter se originado apenas como um deus da vegetação do Delta do Nilo associado aos ciclos de regeneração, ele rapidamente usurpou o papel de Sokar como "Senhor do Rotau". Até mesmo o Shetayet, o santuário perdido de Sokar, transformou-se no "Túmulo de Osíris".

Entretanto, um lugar em que Sokar ainda continuou governando foi o Duat, o Submundo da Alma egípcio, ou Mundo do Além, visto tanto como um reino físico debaixo da terra, como uma região do céu noturno associada ao pós-vida egípcio. Textos funerários antigos, especificamente o Am-Duat, o "Livro do que está no Submundo", gravado em papiros funerários e nas paredes de túmulos do período do Império Novo, falam de Sokar como o governante do reino subterrâneo de Rostau. O falecido faraó, na forma de deus-sol, teria de navegar através do Duat a fim de alcançar a vida após a morte entre as estrelas.

Os antigos egípcios acreditavam que as provações e tribulações que a alma do faraó morto teria de enfrentar em sua viagem através da escuridão do Submundo, eram reflexos da jornada do sol durante as horas da noite. Acreditava-se que o sol em sua órbita entrasse no Duat-Submundo ao pôr-do-sol e que viajasse através de um túnel imaginário por debaixo da terra, antes de emergir novamente ao alvorecer, no horizonte leste. Pensava-se que esse estranho reino catatônico fosse habitado por uma multidão de serpentes, demônios e espíritos, e que fosse dividido em doze "Horas", refletindo, assim, a passagem da alma do defunto pelas horas da madrugada.

Sokar em uma mortalha no monte da criação. O sol aparece no meio de sua jornada de doze horas através do Duat,
entre as Horas de Quinta e Sétima, conforme se infere dos doze passos da colina-pirâmide.

(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)



As Horas Quarta e Quinta do Duat, que ocorriam quando o faraó, como deus-sol, aproximava-se da meia-noite, eram o domínio da Sokar. Elas ostentavam, ainda, os títulos de "Casa de Sokar", "Terra de Sekri" (outra forma do nome Sokar) e, mais significativamente, Rostau, ou seja, Gizé. Tão diferentes das outras dez Horas eram as descrições da navegação dos falecidos através das Horas Quarta e Quinta do Duat que o egiptólogo egípcio Selim Hassan (1893-1961) escreveu que elas deviam ser aquisições provenientes de uma tradição separada que tratava exclusivamente do submundo de Gizé-Rostau. Hassan escreveu que uma representação física do Duat-Submundo pode ter existido em Gizé, já que as representações das Horas Quarta e Quinta pareciam refletir a maneira como o platô descia de noroeste a sudeste, como ainda hoje pode ser visto a partir de sua extremidade sudeste, ou seja, das imediações do "Aish el-Ghorab", o cemitério mulçumano atual situado à sombra de Gebel Ghibli.


Aparência da Quinta Hora do Duat no texto do Am-Duat. Observe Sokar em pé sobre uma serpente
em uma ilha de forma oval, debaixo de uma colina coroada pela cabeça da deusa Ísis.

(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)


Na Quinta Hora Sokar é retratado em pé, de asas abertas, sobre uma serpente de cabeça dupla. Ambas as figuras aparecem em uma ilha de formato oval que é guardada por uma esfinge de duas extremidades, conhecida como Aker-Leão (Akeru, no plural). Inquestionavelmente, essa ilha é uma representação do monte da criação nas águas primordiais. Os Akeru-Leões são tidos como protetores da entrada e da saída do Duat-Submundo, os pontos em que o sol desaparece ao pôr-do-sol e em que ressurge ao amanhecer. Selim Hassan equiparou o Aker-Leão à Esfinge de Gizé, que guarda a entrada oriental do platô, ao passo que o local mítico conhecido nos textos funerários como "Terras Altas do Aker", foi identificado com as colinas que circundam Gizé.


Nem mesmo o deus-sol estava autorizado a penetrar na câmara secreta de Sokar durante sua viagem noturna em direção à vida após a morte. A alma do falecido, em seu barco noturno, era atraída para o topo de uma colina-pirâmide cônica freqüentemente representada sobre uma ilha oval na qual estava Sokar.

Seria a ilha da Terra de Sekri o mesmo monte primordial dos textos de Edfu? Se o Shetayet de Sokar estava localizado nas proximidades de Gebel Ghibli, então é do maior interesse a presença do poço Beer es-Samman na face norte da colina. O poço marcaria a localização do Shetayet de Sokar, onde a entrada ou a saída do Rostau, a "boca das passagens", estaria apenas aguardando para ser encontrada.


Andrew Collins e Nigel Skinner-Simpson no topo da colina Begel-Ghibli
(Photo Copyrigth: Andrew Collins, 2009)

Poderiam evidências adicionais ajudar a confirmar o papel de Gebel Ghibli nesta saga fascinante? Veremos a seguir como essa colina ao sul de Gizé foi usada durante a Era das Pirâmides não apenas como ponto de observação (como ainda o é nos tempos modernos), mas que, também, interage com a geometria da paisagem ao redor, o que implicaria em algum tipo de plano unificado ou de "Grande Plano", que teria decidido o posicionamento e até mesmo a vista das Pirâmides de Gizé.


Continua na parte 3.
 

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