Idéias "New Age" e Pseudo-Ciência não são bem-vindas aqui.

17 de out. de 2009

Mais um novo livro de Andrew Collins - Parte 3


(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)

Mais ou menos à época em que Collins já tinha se convencido de  que o Poço do Bem existia em algum lugar nas imediações do planalto de Gizé, ele topou por acaso com uma lenda preservada entre os habitantes de Nazlet es-Samman, um vilarejo moderno que hoje avança sobre a extremidade leste do campo das pirâmides. A lenda falava de um poço sagrado que era a morada de um homem santo chamado Hammed es-Samman. Seu dever era guardar a entrada desse poço, oculta por debaixo de uma pedra e que conduzia a uma cidade subterrânea.

Isso foi por volta do final de 1998 e Collins não obteve mais nenhuma informação adicional sobre essa lenda até que, em maio de 2005, durante uma de suas viagens de investigação a Gizé, foi apresentado a um empresário local chamado Ali es-Samman. Ali conhecia bem a lenda de Hammad es-Samman e esclareceu que até recentemente o santo tinha sido venerado em um festival anual organizado pelos habitantes de Nazlet es-Samman. Ali, ele próprio um descendente de Hammad es-Samman, acrescentou que a verdadeira história do poço era mantida em segredo e que era conhecida apenas por um punhado de anciões da aldeia. Segundo Ali, existia realmente uma ligação subterrânea que levava a uma cidade subterrânea situada sob o vilarejo. Ali revelou, então, o paradeiro do poço. Disse que estava localizado debaixo de um sicômoro sagrado, no coração do moderno cemitério islâmico de Aish el-Ghurob, no canto sudeste do platô. Atordoado, Collins quis saber se poderia visitar esse lugar santo, ao que lhe foi dito "sim", que podería ir lá no dia seguinte.

É importante salientar que até aquela data existiam muito poucas referências a esse poço nas centenas de livros já escritos sobre a história dos monumentos do platô de Gizé. Inacreditavelmente, sua importância não era reconhecida.

No dia seguinte, após ter evitado a polícia que ronda a entrada para a Esfinge e dado gorjetas aos guardas do cemitério, Andrew Collins viu-se sendo conduzido por um guia por entre fileiras de túmulos em formato de arca e pintados de branco, até chegar a um dos locais sagrados "perdidos" de Gizé.


O poço Beer es-Samman, no cemitério islâmico de Gizé. Será que ele oculta a entrada para o Submundo da Alma?
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)

O poço chamado de Beer es-Samman, ou o "poço da ave samman", é extremamente velho, constando somente de mapas antiquíssimos do platô. Suas águas cristalinas, bebidas por todos que freqüentam o cemitério, vêm de fissuras subterrâneas que inrompem de câmaras e passagens das profundezas do platô.

Enquanto estava de pé ao lado de Beer es-Samman, à sombra de uma velha figueira (conhecida como El-Gomez, em árabe), uma descendente das mencionadas nos antigos textos egípcios, Collins percebeu o quanto o poço ficava perto da face norte da proeminente colina rochosa situada a cerca de 150 metros ao sul. Gebel Ghibli (ou Qibli), Colina Sul em árabe, é uma enigmática formação rochosa com 60 metros de altura a cerca de 400 metros ao sul da Esfinge. Vista do norte, onde as pirâmides de Gizé estão localizadas, Gebel Ghibli se parece como uma espécie colina primordial se projetando de um oceano de areia. Haveriam evidências de que aquela área pudesse conter pistas sobre o maior segredo de Gizé - o Submundo da Alma dos textos Edfu?

Em Gizé, o sicômoro, ou Gomez, era sagrado para a deusa Hathor, que tinha o título de a "Senhora do Sicômoro Sul". Hathor era a matrona de Gizé e uma lenda estranha, preservada até hoje, conta como ela se alimentou do sangue dos mortos da necrópole comendo o fruto vermelho do Gomez que ficava onde hoje está o atual cemitério islâmico. A tradição popular local registra que se uma mulher deseja engravidar, ela deve vir ao Beer es-Samman e ali comer o fruto do Gomez, que, devido a sua aparência característica, tornou-se um símbolo de fertilidade.


Nuit personificada como Via Láctea, com seu útero e vulva assinalados pelas estrelas do Cisne e a chamada Brecha do Cisne.
(Copyright da imagem: Andrew Collins/Rodney Hale 2009)


Hator era a deusa-céu,  mãe do deus Hórus, o deus sol que se apresentava sob a forma de falcão. Seu nome significava a "casa de Osiris", numa referência a seu útero cósmico. Assim como a deusa Nuit, que talvez fosse apenas uma extensão da mesma deusa, Hathor era personificada no céu noturno como a Via Láctea. Em vida, cada faraó foi associado a Hórus, enquanto sua mãe e sua esposa foram identificadas com Hathor.

A ligação entre Nuit, em Heliópolis, e Hathor, em Gizé, só reforça a idéia da força de influência da constelação do Cisne na astronomia egípcia antiga. Ambas as deusas tinham seus próprios poços e árvores sagrados e estavam relacionadas através da mesma constelação.

Nos antigos Textos das Pirâmides, tanto o túmulo quanto o caixão e o sarcófago do faraó eram confundidos com o útero de sua mãe Nuit. Outros textos funerários viam o corpo dela como o túnel Duat, o qual a alma do falecido atravessava como deus-sol Re. De acordo com o egiptólogo americano Mark Lehner, a alma, em seu papel de novo sol, era reacesa quando passava através da Hora Quinta. Como vimos anteriormente, a Hora Quinta do Duat era o nome tanto do reino de Sokar quanto do de Rostau, o antigo nome de Gizé. Podemos, então, dizer que o útero da deusa-céu Nuit, refletida no céu como a constelação do Cisne, foi associado ao papel de Gizé, o Duat de Memphis. Assim, faz sentido que as pirâmides de Gizé espelhem a posição astronômica das estrelas principais do Cisne, pois as pirâmides foram erigidas justamente para harmonizar com as influências celestes associadas ao útero de Nuit, o lugar do renascimento da alma do faraó quando de passagem pelo Shetayet ou túmulo de Sokar-Osíris. Somente adotando essa ressonância estelar o faraó poderia, como filho de Nuit, alcançar sua transformação em “akh”, ou espírito glorioso, em harmonia com as estrelas do céu do norte.

Mas voltemos a uma das figuras que estava na parte 1. Lembram-se dela?



O mapa de Lepsius e a sobreposição de Collins/Hale
(Copyright da imagem: Nigel Skinner-Simpson, 2009. Cortesia da sobreposição: Rodney Hale, 2009).


Andrew Collins comprovou as sobreposições das estrelas da constelação do Cisne aos ápices das pirâmides de Khufu, Khafre e Menkaure. Também comprovou as sobreposições a Gebel Ghibli e ao Beer as-Samman. Mas ficou faltando comprovar que a estrela Deneb tenha se sobreposto a algo significativo. Aliás, a algo muito significativo, já que Deneb é a mais brilhante das estrelas da constelação.

 
Imagem de satélite mostrando a localização da mastaba L 14 no Cemitério Ocidental da Grande Pirâmide
(Copyright da imagem: GoogleEarth, 2009)


O ponto ao qual Deneb se sobrepos estava localizado a oeste da pirâmide de Khufu, no chamado Cemitério Ocidental da Grande Pirâmide. Collins e sua esposa, Sue Collins, decidiram investigar a área em janeiro de 2007 e verificaram que a projeção de Deneb recaía sobre uma mastaba de pedra conhecida como L 14, a 14ª mastaba explorada pelo egiptólogo prussiano Karl Richard Lepsius no Cemitério Ocidental, quando de sua primeira campanha no Egito, entre 1842 e 1843. Lepsius, já naquela época, se deparou com a mastaba tão dilapidada por ladrões e tão destruída por séculos de exposição ao tempo que não encontrou nela nada que fosse digno de nota. Na verdade, Lepsius mal manteve registros dessa mastaba. Ao contrário do que imaginavam, Collins e Sue também não encontraram nada na mastaba que pudesse despertar qualquer interesse especial. Desapontados, voltaram para casa e o assunto foi posto de lado, mas continuaram intrigados em saber o por quê daquela área, aparentemente inexpressiva, ser tão importante para o "Grande Plano" do platô de Gizé.

Foi então que o pesquisador britânico Nigel Skinner-Simpson, colega de Collins, descobriu que em 1817 o Cônsul Geral Britânico no Egito, Henry Salt, trabalhando ao lado do famoso explorador italiano, capitão reformado da marinha Giovanni Battista Caviglia, tinha visitado a mesma área do platô. Ele e Caviglia tiveram acesso a um túmulo que os levou a um sistema de cavernas profundas. Essas cavernas foram exploradas pelos dois até uma distância de "várias centenas de metros", antes de entrarem numa grande câmara que se relacionava a outras três do mesmo tamanho e das quais saiam muitas passagens "labirinticas".

É justamente aqui que se percebe o brilhantismo de Collins e de sua equipe. Não estamos tratando de um mundo subterrâneo, o Submundo da Alma? Pois então a sobreposição de Deneb se dá sobre um ponto subterrâneo! Resta agora localizar a entrada para o ponto.


Tendo reconstruído, cuidadosamente, as explorações de Salt e Caviglia no platô, Nigel Skinner-Simpson percebeu que a entrada dessa rede de cavernas deveria  ficava nos arredores de um túmulo que viria a ser apelidado por Collins de o "Túmulo dos Pássaros".


Detalhe da imagem do Platô de Gizé mostrando a entrada para o Túmulo dos Pássaros
(Copyright da imagem: GoogleEarth, 2009)


Entrada do Túmulo dos Pássaros
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)



2 comentários:

Enik disse...

Adorei sua iniciativa de abordar um tema tão interessante como é a egiptologia.
Dividindo suas informações e seu vasto conhecimento sobre esse assunto, muitas pessoas podem aprender e acompanhar as recentes descobertas que envolvem a história egípcia.
Seu blog está bem elaborado, com textos de fácil compreensão, fotos e diversos links.
Enfin, são inúmeras possibilitades de conhecer o fascinante mundo egípcio.
Parabéns!
Enik

isabel disse...

muito obrigado pela disposição em compartilhar com a gente os seus conhecimentos.
A maneira como você esplanou este assunto um tanto "misterioso", ficou fácil de a gente entender.
Você está de parabéns.